2009-10-04

A cachorrada carioca


da série Rio171 - Olimpíadas

Estávamos eu e Rorras de carro a toda velocidade, cortando a cidade da Zona oeste para Zona Sul. Madrugada de Domingo. Transito escorrendo bem. Nosso carro deslizava pelo asfalto. Chegamos as Laranjeiras, bairro de artistas e intelectuais. Na rua principal havia um agito de balada noturna, muitos carros e todo o tipo de gente bonita. Tudo estava ótimo até a cachorrada, com seu faro fino e olho vivo, sentir cheiro de lingüiça. Passamos embalados pelo cruzamento da Rua Alice no mesmo instante que uma patrulhinha fazia sua rondinha. O Rorras, cheio de alto confiança ao volante, não lhes deu passagem, feriu o orgulho da autoridade semi-analfabeta de plantão. Blitz, documento! Eles vieram atrás e nos fizeram parar. Pensei rápido: agora vou esperar os dois saírem do carro, saco minha pistola e deixo os dois se debatendo no chão em meio a poça de sangue. Pena que não tenho uma pistola, só a de cola, mas besuntá-los de cola quente não seria uma boa idéia. Um dos policiais chegou pela janela do motorista, um rapaz novo, de bigodes e os dedos da mão pesados de tantos anéis de ouro. Quase mando tirar os anéis, onde já se viu, um militar com penduricalhos parecendo um pai de santo de quinta categoria. O outro policial era mais velho, com cara de professor, cheio das velhas artimanhas para arrumar um dinheiro dos motoristas. Se eles fossem honestos não haveria espaço para tantos carros irregulares nos depósitos públicos. A situação faz o ladrão e eles tem o emprego certo.
O mais jovem pediu os documentos do carro e habilitação com certa educação, enquanto o mais velho, com cara de pai de família, ameaçava apreender o carro. O velho golpe do Cosme e Damião, um bate o outro assopra. O Rorras está com sua habilitação vencida e isso certamente é motivo para apreensão do veiculo, ponto para a cachorrada. O circo estava armado: o cachorro velho pegou os documentos, falou no rádio, chamou reboque... O cachorrinho aprendiz de corrupto veio logo com o papo mole de que tudo seria difícil se o carro fosse para o deposito e etc.

- O que vocês podem fazer por nós – Mandou a gente entrar no carro para decidir o que podia ser feito.

Nessa hora eu pensei em tirar meu sinto e bater naquele moleque arteiro, depois coloca-lo de castigo.
Dentro do carro eu e Rorras decidimos não dá nada ou quase nada.

 - Vamos humilhar a cachorrada – Falei puxando uma nota de dois reais

 - Reboque a essa hora da madrugada, duvido – Disse o Rorras puxando uma nota de cinco

O guardinha chegou perto da janela do carona e recebeu a triste notícia. Com a gente ele só arrumaria problemas. R$ 7,00 (Sete Reais) não compram dois cachorros quentes em Laranjeiras, mas era tudo que estávamos dispostos a dar, era pegar ou largar. A Cachorrada esfomeada não dispensa nada. O Guardinha reclamou um pouco, mas sacou a nossa, que sacamos a dele. [Apreensão do veículo àquela hora ia dar um trabalho e gente sabe que esse povo não está ali pra isso] Pegou a merrequinha e cascou fora. Fizemos a manobra mais à frente e ainda vimos os dois parados próximo a barraca de cachorro quente. O Rorras buzinou e eu acenei como se fossemos velhos amigos. Ambos tiveram que responder com sorrisos amarelos. Porcos fardados. No fundo eu gostaria que eles fossem honestos e apreendessem o carro, mas isso é pedir demais.

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