2009-11-24

Micro-conto de amor e ódio


Odeio despedidas amorosas. Afastei-me sem me despedir. Não olhei nem para trás. Odeio qualquer tipo de despedida. Sobre tudo estas, que sabemos, não vão dar em nada. Acabou. Pronto. Estamos todos ótimos e sem ressentimentos. Pelo menos é preciso mentir. Enganar o desejo, já que esse não vai nos levar a felicidade. Foi assim que nos despedimos para sempre sem nos despedir. Enxugue essas lágrimas e engula esse choro. Seja um homem e encare a vida de frente. Cada um para um lado, para seguir com a própria vida. Os planos e juras de amor ficaram lá. Não há lá lá. Tudo se perdeu em algum lugar do passado. Não foi o primeiro caso de amor perdido e não será o ultimo caso de amor perdido. Não se trata de desilusão. É só mais um amor que não deu certo ou deu certo por um momento, um breve e feliz momento. Não é assim a vida? A gente pode ficar só com as partes boas na lembrança. Quanto a fortes emoções: não gosto de transmitir afeto. Não sei. Confesso que não. Sou como meu velho pai. Homem não chora e quando chora o faz escondido. Ele me disse isso à vida toda sem me dizer. Minha garganta às vezes fecha quando penso nela, quando me lembro do seu jeitinho, da forma dela de me olhar, de querer me agradar. "Eu te amo e voce não tem nada haver com isso". Isso é problema meu. Eis o amor platônico. Tenho mais é que pensar em mim. Viver minha vida. Fechar essa porta. Fazer render minha felicidade agora. O eterno presente. Hoje é tarde e amanhã, ora amanha! Nem existe!

Depois de nove anos de casado, fiquei com a aquela sensação de quando pegamos açúcar na prateleira e por desatenção o pote inteiro cai e então voce se pergunta: - Porque raios fui  inventar de pegar o pote de açúcar? Sim, exatamente. No ressentimento é assim que funciona. Na marca. No trauma. Vá lá, pelo menos tenho emoção, sentimento. Não posso simplesmente fazer a faxina e tirá-la da minha cabeça. Ela sabe fazer isso muito bem. Dói. Uma dor profunda e aguda. Uma falência.  Uma triste verdade. Ruim amar demais. Adoraria ser um desses canalhas sem sentimentos. Pareço confuso? É assim mesmo. Penso tudo isso andando pelas ruas da cidade maravilhosa e quente. Rio 50 graus, quem não agüenta passa mal! Vagando por entre os moribundos, vagabundos e todo o resto. Odiando e amando. Eis aqui um vivo!

Depois de uma longa caminhada para pensar na vida ou esquecê-la brevemente, parei para comer um sanduíche na Lapa. O bar lotado de torcedores fanáticos por futebol. O calor do verão castiga e a cerveja gelada é a tentativa do refresco que nunca vem e por isso bebemos infinitos copos de cerveja gelada. O ânimo entre as torcidas não é dos melhores. Parece que a disputa é de vida ou morte. Penso o quanto tudo isso é um grande e inútil sentido pra vida. Pelo menos eles têm um sentido pra vida. Ainda que seja sem sentido. Só buscar sentido faz sentido. Até arrisquei uma conversa com um torcedor que falava pelos cotovelos. Só depois percebi que não era um diálogo. Prefiro não ser como eles e fico lá sem estar. Deixei todos e fiquei sozinho no meio daquela multidão. Posso fingir que sou invisível quando quero. O garçom trouxe meu sanduíche e mais uma cerveja gelada. Minha mesa de quatro cadeiras e só uma delas está ocupada. Penso nela e meu coração indica fraqueza. Lembro do tempo em que vivia cercado de amigos. Procuro não pensar nisso. Concentro-me em todas as responsabilidades da minha vida adulta. No trabalho que preciso entregar amanhã; no apartamento que preciso encontrar amanhã; no filme que vou fazer na próxima semana; na peça que estréia na próxima semana. Vida louca é vida louca.  Não tenho tempo para sentir pena de si mesmo. Depois de tudo, estou morando numa pensão. Estes cantinhos úmidos que abrigam os solteiros, os poetas, os escritores e os suicidas covardes. Parece que me enquadro bem em todos estes rótulos. Não que eu seja covarde.

No bar tudo na mesma. Os torcedores continuam torcedores. De repente vejo na outra mesa uma mulher triste e ela me vê. Deve ter pensado o mesmo de mim. Mesmo porque minha cara não está nada boa. Arrisquei um sorriso que foi logo ignorado. Não sei por que resolvi arriscar, estava disposto a saber mais sobre aquela mulher triste. É um tipo de foco que pode tornar minha vida mais interessante. Era uma aposta. Chamei o garçom. Arrisquei um bilhete: Seja quem for que te faz sofrer não te merece. Assinei meu nome de solteiro. Cesar Frias. O garçom entregou o bilhete. Ela olhou pra mim, sorriu e leu. Meu coração gelou. Afinal era uma comunicação direta entre um homem e uma mulher e tudo poderia acontecer a partir daquele ponto. Quebrei o ovo da tartaruga azul, o universo inteiro entrou em fluxo de mudança. Os torcedores ficaram mudos. O garçom ficou surdo. As mesas flutuavam lentamente. O calor ficou frio. Quando o garçom chegou perto trazendo a resposta, houve um estalido e tudo voltou ao normal. Peguei o bilhete e estava escrito: - Não merece mesmo. Lucia. Levantei e fui até a mesa onde estava a bela moça. Era bonita. Tinha um olhar triste, mas era muito bonita. Um longo cabelo preto e liso, olhos verdes profundos, nariz grande, seios, pernas e uma boca carnuda. No trajeto que percorri até sua mesa o bar ficou vazio por completo. Mágica! Nem garçom, nem torcedores, nem mesas. Apenas eu e Lucia. Um espaço vazio, cheio de nós dois. Olhos vidrados um no outro. Pensei em pedir uma cerveja gelada, não precisei pedir uma cerveja gelada. A moça encheu meu copo com a cerveja mais gelada das cervejas geladas. Conversamos uma vida inteira, bebendo e fumando. Já estamos fazendo planos. A ex-mulher nunca foi tão ex. Espero que ela sofra. Que me deseje e sofra. Sempre digo para minhas ex-mulheres que sou o melhor homem do mundo e que um dia elas perceberão tarde demais. O pior é que eu acredito. E todas elas no fundo sabem que é verdade. Sou Cesar Frias. Sou escritor. Sim, sou do caralho.




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